“O trajecto solitário ao volante, em direcção a Massamá, não fazia adivinhar percalços, apesar do receio diário de ver subtraída da carteira a chave do estabelecimento. Mas o pior aconteceu. Sem tempo sequer de tocar à campainha: ‘Eles tinham o carro estacionado à minha porta. Quando meti a chave na fechadura, deram-me uma traulitada. Pensei que me iam matar. Estava completamente atordoada mas não me fizeram desmaiar. Pedi que me dessem um tiro em vez de me fazerem sofrer.’
A morte roçou-a à queima-roupa. ‘Joaquina’ livrou-se de balas mas não foi poupada de uma sofrida ‘descida aos infernos’. Foi transportada para o meio da serra da Carregueira, em Sintra, ‘perto do quartel’, e amarrada a uma árvore. Ainda atabalhoada com o choque, receosa de represálias, preserva o rosto de fotos e guarda para si a forma como se desenvencilhou. Mas é impossível abafar o medo. ‘Vivo sozinha. Sou o elo mais fraco e estou cheia de traumas. Está tudo mal.’ ‘Joaquina’ tão cedo não esquece os ‘dois brasileiros, um mais alto que o outro, um de pólo azul, outro de laranja-claro, que se faziam deslocar num Pólo encarnado’.
O caso foi notícia, como o CM avançou a 8 de Janeiro. Um jovem brasileiro, com um vasto cadastro de roubos com violência, escolhia o final da tarde para atacar, de pistola em punho, mulheres acima da meia-idade, sozinhas e em locais isolados, na Linha de Sintra. Só em Dezembro, além do caso de ‘Joaquina’, agrediu uma vítima à coronhada na cabeça. Foi detido pela Polícia Judiciária. O Ministério Público apresentou-o à juíza do Tribunal de Sintra e esta decidiu soltá-lo, com simples apresentações periódicas, mesmo depois do recurso à prova testemunhal. Está por esclarecer o total de crimes praticados em Portugal nos últimos meses. Para já, o assaltante só tem de passar com regularidade na esquadra.
Para ‘Joaquina’, a senda de roubos e ataques com a mesma assinatura continuou. Os nervos em franja percorrem mais uma história cabeluda. ‘Ourives leva com ferro na cabeça’, anuncia o jornal. A idosa marca o número das vítimas que se seguiram e cumpre um telefonema solidário. No final, poucas dúvidas tem: ‘Há hipótese de serem os mesmos. Parece ser o mesmo carro. Eles já tinham estudado o assunto. Andaram aqui a rondar.’
Depois do susto sentido de muito perto, a vigilância foi reforçada. Um agente marca o ponto à porta da ourivesaria, onde os assaltos, tantas vezes acompanhados de violentas agressões, são motivo de comentários com a mesma cadência com que se processam as compras e vendas de fios, brincos ou pulseiras de ouro. ‘Aqui há muita gente e é uma zona difícil. Estamos a saque’, conclui.”
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